Lembrei-me que tinha deixado de cortejar duas ou três mulheres , temendo ser rejeitado. Lembrei-me de algumas ocasiões em que tinha deixado de fazer o que queria, achando que o podia fazer mais tarde. Senti uma enorme pena de mim, não só porque estava a ser enterrado vivo, mas porque tinha tido medo de viver. Que razão tinha o medo de levar um «não», de deixar uma coisa para fazer depois, se o mais importante de tudo era gozar plenamente a vida? Ali estava eu trancado no caixão, e já era tarde de mais para voltar atrás e demonstrar a coragem que precisava ter tido.
Ali estava eu, que tinha sido o meu próprio Judas e me traíra a mim mesmo. Ali estava eu sem poder mover um músculo, a cabeça a gritar por socorro e as pessoas lá fora imersas na vida, preocupadas com o que iam fazer à noite, a olhar estátuas e edifícios que eu nunca mais tornaria a ver. Um sentimento de grande injustiça invadiu-me, por ter sido enterrado, enquanto os outros continuavam a viver. Melhor teria sido uma grande catástrofe, e todos nós juntos no mesmo barco, em direcção ao mesmo ponto negro para o qual me levavam agora. Socorro! Eu estou vivo, não morri, a minha cabeça continua a funcionar!
Colocaram o meu caixão na borda da sepultura. Vão-me enterrar!" (...)
"Diário de um Mago" por Paulo Coelho
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